sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O PRIMEIRO CONTO VAMPIRO

Segunda-feira, Dezembro 15, 2003

O PRIMEIRO CONTO VAMPIRO

O sono o deixou. A cama estava fria. A manhã anunciava um novo dia. A noite se despedia lentamente. As horas passavam com a lentidão do infinito. Nada acontecia em seus sonhos... Ele se levanta, vai ao banheiro e olha-se no espelho. O seu reflexo é uma biografia escrita na pele do seu rosto. Marcas do tempo gravadas pela corrosão da vida e experiências vividas. Seu olhar sonolento constata tudo o que vê. Adormecido ainda, ele passa água em seu rosto e caminha para a sala. Não há nenhuma luz acesa e a pouca luminosidade que vem de fora, por entre as frestas da veneziana da janela deixa o ambiente banhado por uma leve penumbra. O que se vê são coisas espalhadas por sobre os móveis. Percebe-se que tudo está desarrumado organizadamente. Todas as coisas estão em seus devidos lugares mesmo que isso não represente uma arrumação convencional pela visão de decoração de casa. É, não há poeira ou qualquer marca de desleixo. Somente as coisas não estão arrumadas em ordem alfabética ou qualquer outra orientação. Tudo parece estar e ser a extensão do usuário como se o interior da pessoa fosse elo direto com as coisas externas. Se o pensamento buscar um livro, este estará sobre a mesa de canto e sob um cinzeiro. Assim, todas as coisas estão em seus devidos lugares. Mesmo que espalhados por aqui e acolá.

Ele se senta. Tem em sua mão um café quente que acabara de fazer. Bebe calmamente enquanto olha o infinito. Seu olhar traspassa as paredes da casa e o pensamento divaga como que sonhando. Um estado de contemplação forçado pela falta de sono e incerteza no porvir. Uma noite difícil anunciando um dia incerto. O café chega ao fim. Ele recosta a cabeça no encosto da cadeira e fecha os olhos. Ele sente seu corpo flutuar... Flutua como se voasse, mas não é um vôo tranqüilo. Algo o incomoda e desperta uma ligeira dormência. A noite ainda é presente e o escuro que precede a manhã deixa tudo em estado letárgico. Derrepente ele vê uma janela entreaberta. As cortinas balançam suaves ao sabor de um breve sopro do vento. Podese perceber o interior. É um quarto de dormir. Pouca coisa se vê. Um armário, uma cômoda. Alguns quadros pendurados nas paredes. Sobre a cama uma pequenina estante onde se vê alguns vidros pequenos de remédio. Ele se sente convidado a entrar.

Já dentro do quarto ele fica de pé ao lado da cama. Uma transformação acontece. Seu corpo que antes voava, torna-se novamente humano. É como se ele tivesse asas e voado, ele pensa. E chega mesmo a acreditar que uma de suas asas estivesse ferida. Isso explica a dor que sentiu em um dos lados do corpo enquanto flutuava. Realmente há uma pequena ponta de dor incomodando o seu ombro. Mas agora eles já têm os olhos acostumados à luz ambiente do quarto. Ele pode ver um corpo deitado sob um leve lençol branco sobre a cama. É o corpo de uma mulher jovem. Ela tem cabelos negros, liso e cortado à altura da nuca. A sua pele é branca. Os seus ombros estão à mostra. Ela veste uma camiseta “regata”. Sua pele reluz ao frágil toque de um raio de luar. A dor do braço já não é tão intensa. Ele suspira e continua observando. Em um movimento suave e rotativo ela muda de posição deixando-se ver mais um pouco do seu corpo. Ela está sem camisola. Somente uma calcinha branca lhe cobre o sexo. É um belo corpo com curvas bem delineadas. Neste momento ele experimenta uma sensação estranha em seu corpo. Sua boca é umedecida pela saliva intensa e viscosa. Um calor percorre todo o seu corpo. Seus olhos estão mais aguçados e vê tudo com mais nitidez. Consegue até penetrar magicamente no corpo desta jovem mulher que esta a sua frente como quem lê seus pensamentos. Sim, ele consegue sentir seus pensamentos. É como se estivesse sendo convidado. Uma sedução envolvente envolvendo-o agora sem que ele saiba o porque. Novamente ela se move. Agora a sua nuca alva está bastante visível entre o lençol e os seus negros cabelos.

Um vento frio entra no quarto balançando as cortinas e tocando a sua face. Mas ele não sente frio e sim uma vontade vinda do interior do seu corpo. Esta vontade é imperativa e o faz sentarse ao lado dela. Sentado ele está admirando as curvas e suavidade deste corpo tão sedutor. A sua mão desliza pelo lençol até tocar a pele dela. Este contato o faz salivar ainda mais intensamente. Então ele acaricia os ombros sentindo todo o frescor desta carne macia. A palma da sua mão acompanha as curvas do corpo como um escultor modela sua obra em barro. Ele puxa o lençol para poder ver melhor todo o corpo. Agora sim, ela está totalmente visível ao seu olhar. Pés, pernas, coxas, braços, enfim, ela totalmente ao prazer do seu olhar. Um arrepio percorre a sua espinha e estilhaça seu cérebro. As suas duas mãos estão nos ombros dela. E descendo percorrem as costas como quem a massageia. Ela está imóvel como que por encantamento. Somente moveu o rosto para o lado. Sua expressão é doce e branda. Parece mesmo consentir com o que se passa. Como o toque e carícias. Ele a olha e deixa as suas mãos deslizarem ainda mais até chegarem à barriga e sente seus dedos tocarem o umbigo. Elas sobem mais e tocam os seios. Ela suspira.

postado por: O Anjo


segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A língua lambe


A língua lambe as pétalas vermelhas

da rosa pluriaberta; a língua lavra

certo oculto botão, e vai tecendo

lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,

A licorina gruta cabeluda,

e quanto mais lambente, mais ativa,

atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gemidos, balidos e rugidos

de leões na floresta, enfurecidos.


Drummond

Ontem à noite

ontem à noite

sonhei de corpo inteiro
– acordei com teu cheiro.

Alonso Alvarez

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A boca é para o beijo.


Um medo grande e indecifrável. São as horas. Todas as horas tem um efeito. Mãos gélidas. Um momento, por favor, preciso matar a fome. Há bocas. Várias delas num só corpo, com uma só alma. Com medo. Todas as bocas se manifestam. É o pensamento inútil para o momento. A boca é para o beijo. A boca é para matar a fome. A fome está para matar a boca. Dois corpos tem mais bocas que um. Dois corpos, tendo mais bocas, sentem mais fome. Os corpos alimentam a fome da boca. Essa é a hora. Te esperaria na varanda, se você viesse. Mas você tem medo do meu medo. Todo mundo tem medo do que não conhece. Eu só conheço as minhas bocas. Todas elas tem fome. Lábios são para o desejo. A língua aproveita o ensejo. E o medo cresce. Florescem as campanas do corpo com todas as bocas em flor. Há tanto tempo não te vejo. O arrepio que percorre não socorre. Um desejo insuportável me consome. Eu sei que você tem fome. Eu mataria a sua fome pela boca que te come.

saliva a boca que molhada pela boca úmida que tem fome...

o anjo

sábado, 5 de julho de 2008

o anjo

O Sol ainda está preguiçoso nesta manhã. Pingos de chuva ainda caem no telhado da velha casa e fazem um tilintar das gotas sobre coisas e o chão molhado do quintal. No quarto, um anjo dorme sobre a cama entre lençois revoltos. A face tranquila e senera de moça delicada que tem segredos escondidos neste pequeno corpo angelical. Ela dorme assim, suave e macia. O cheiro de sua pele é sensual e sedutor. Um convite a delirinhos e sonhos surreais. O seu corpo tem segredos úmidos de desejos escondidos. Apelos por todos seus poros transbordam pela pele em arrepios de frio febril da medo muito grande de prender a respiração . Ela, assim deitada, "alone", de costas no leito oferta para Deuses maiores um universo de fantasias. Os seus joelhos dobrados para fora da cama deixam pender a perna para fora da cama até que os pés toquem no chão. Os lencóis revoltos convidam a sonhos maiores. A sua face sorri um enigmático sorriso. Nos lábios e olhos bem fechadinhos e boca entreaberta, dela descem gotas de saliva como rimas de poesia... Qual linguagem para saber estes poemas?

Sonolenta ela está ao acordar... muito e grandes desejos povoam nirvanas ancestrais.

Ah, tenho medo de morrer... Muito medo!

quarta-feira, 18 de junho de 2008

acontece na madrugada



As contas pagas e por pagar são detalhes de sua rotina do dia a dia. A fumaça do fumar dança pelo ar. Sombras e sonidos paralelos que querem se encontra em um lugar distante de si. Alguma coisa está no ar e fora do controle. O desejar o proibido até de se pensar. Alguma coisa dançando no ar. Embriagante noite louca onde coisas soltas assustam qualquer sonhar desperto. Olhos abertos. Vontade louca. Voz rouca no blues sussurrado ao ouvido do vento. Olvidado. Cuidado com o querer. Vontade forte, muito de correr. Isso da medo. Não se pode pontuar. Não se deve exclamar. Tão pouco perguntar o que diz a voz do vento. Sob a lua de hoje que é cheia e seduz ouve-se o lamento apertado. Clave de sol e novamente o medo de acordar. Treme por sobre a pele o sentir por sob a pele. Repele e atrai em rima. Verso e reverso sob o lençol macio. Quarto minguante na Lua cheia. Desce o orvalho na umidade da saliva. Inclina acima e abaixo das nuvens. Voa no tapete mágico da neblina. Tão gentil e pequenina beija no infinito um sorriso. Lábios que se tocam no encontro longínquo das linhas paralelas. Paraíso.

o anjo

sexta-feira, 13 de junho de 2008

noite profana




A noite esquenta quando o frio fora do quarto corta o pensamento daquele solitário que caminha na calçada vazia. Ouvem-se ecos dos seus passos. O calor aquece a face e disfarça o tremor que vibrou por segundos no corpo. São pensamentos distantes e profanos que vieram trazidos pela voz do vento. Ele, o vento, sussurra palavras muito proibidas e sigilosamente secretas. São aquelas palavras que umedecem de saliva a língua que tenta se conter na boca, no céu da boca, onde estrelas saltitam como crianças travessas. As palavras estão na ponta da língua e querem sair em pensamentos que não se devem expor. Coisas escritas em papel de pão e que são jogadas nas gavetas esquecidas da memória. Não olha, não vê, não para de pensar. Parado, quase um desmaio de medo de pensar em qualquer coisa. Quase mergulha em divagações de sonhos de além muros. Quase morre. E quem tem medo de morrer quando a vontade é de correr muito? O pensamento começa a correr desenfreado por estradas, colinas, morros, horizonte em belo por do sol. Quase madrugada. Esta é a hora de se estar com medo. Esta é a hora de se estar bem consigo mesmo. Esta é a hora em que tudo acontece em segredo. Esta é a hora!
Na cama rolando sob lençóis finos o corpo delgado serpenteia. Rola e se mostra por partes em sonhos que dançam com fumaça na suave brisa. A Lua se mostra nua, despida de preconceitos neste leito de baco. Ouve-se na voz do vento uma canção distante de antigos amantes. Novamente o calor profano quer remexer a quietude do corpo em sonolento repouso. As curvas são delicadas entre os pelos, apelos e desejos escondidos nos recantos clandestinos da carne crua. Há sombras e penumbra. Dança a luz da vela e revela, acaricia o olhar perdido mergulhado em fantasias de outras terras. Um som gemido brilha no luar. Um solo de trompete invoca o ritual dos anjos. Jazz... Fecha-se os olhos. Tudo é muito nesta hora de calor. Tudo é muito e é agora! Muito quente, muito úmido, muita água na saliva, na boca da noite profana. Uma nuvem cobre a lua que se esconde nesta madrugada. Medo... ?

LOBISOMEM DE PALAVRAS

Hoje eu ainda não havia saído de casa. Ainda não havia visto a luz da lua ou sentido a temperatura amena do sereno, até que alguém tocou a campainha e foi preciso sair até o portão. Foi uma sensação estranha, coberta de mágica e quase inexplicável. Minha primeira reação foi olhar para o céu. A lua essa noite trouxe um brilho meio néon de tão claro, uma luz que poderia ser única de tão suficiente para iluminar o recinto “mundo”. Minha rua se encontrava enfeitada pelos véus de nuvens que pairavam solenemente e as estrelas cintilavam como velas acesas ao redor desse véu. Tudo cintilava como um quarto preparado para a noite de núpcias. Eu, por aquele breve instante me senti um lobisomem. Na verdade uma loba. Passei todo o dia sem vontade de escrever, com a sensação de ter tomado um anestésico sentimental, tudo quase obsoleto, insípido, estranho. Bastou o ar da noite instigar a chama da lareira do coração, em brasa latente. Senti então saudade, raiva, amor, desejo... fui por alguns instantes um lobisomem. Lobisomem de palavras? Esse é o poeta?

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O Vampiro

O Vampiro

Charles Baudelaire

tradução Jamil Almansur Haddad

Tu que, como uma punhalada,
Entraste em meu coração triste;
Tu que, forte como manada
De demônios, louca surgiste,

Para no espírito humilhado
Encontrar o leito e o ascendente;
- Infame a que eu estou atado
Tal como o forçado à corrente,

Como ao baralho o jogador,
Como à garrafa o borrachão,
Como os vermes a podridão,
- Maldita sejas, como for!

Implorei ao punhal veloz
Que me concedesse a alforria,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.

Ah! pobre! o veneno e o punhal
isseram-me de ar zombeteiro:
"Ninguém te livrará afinal
De teu maldito cativeiro.

Ah! imbecil - de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!"

o convite

inteiramente.. .

[todinha]


ele pressente

quase presente

pois sente

na pele esquecida

do sentir vida

o que de vida foi vivida

mas assim

quente

como um calor distante

ele

lobo errante

ouviu o convite

que trouxe a voz do vento

percebe

estar perto o momento

mas não ousa movimento

medo e tremor

calor febril nas veias

palpita

distante

um coração

ouve no estampido

entre frestas da janela

um delicado sorriso

você vem?

vem dos lábios dela

quarto meia-luz

olhos semi-serrados

leito revirado

pele em poesia

suave aroma

palavras são ditas

em surdina

palavras são proibidas

beijos perdidos

entre raios de luar

relva fina molhada

noite alta

madrugada


o anjo

na linha do horizonte, mergulho

perdida no paraíso
mergulha no infinito
mar de estrelas
aquela diminuta
ilha
que faz das rimas
ímãs de poesia
que assustam
que ardem e queimam
por dentro
da madrugada
com calor de mil e um raios

cintilante e suave
molha com seu orvalho
todinha a relva macia
onde se deita a lua nua
que recebe os primeiros
raios de sol
que tocam como mãos vividas
sua tenra e delicada pele
com carícias e afagos
de um anjo milenar

o anjo

terça-feira, 10 de junho de 2008

calanto

acalanto


acalanto

este desejo incontido
que molha o pranto
noturno
espanto
no desepero
da poesia que rima
...
com distante horizonte
molha quando chora
imensa tormenta
que desagua no mar
no marulhar sussurado
no mergulho imaginado
poeira cósmica
no chão de estrelas

o anjo

quinta-feira, 5 de junho de 2008

(...)


Ah sim

mais que tudo nessa hora

tu és este poema

que escorre em mim...

pelosporos



madrugada


madrugada

no frio silencio da noite
corre o corisco
rabisca o céu da boca
há faísca
esquenta
há calor
[estampido]
sobe uma sensação
[estranhamento]
no corpo
por toda a carne
sortilégio
queima e ilumina
vem dos pés
arrepia até a raiz dos cabelos
feitiço de áquila
aqui
acolá
perpassa
muralhas da china
aos recantos mais antigos
do sonhar

sonhamos

o anjo

quarta-feira, 4 de junho de 2008

a pele da cor



a tua imagem


cândida

cântico antigo

pórtico partido


sépia?!


crua

nua

ânfora perdida

no mar

no horizonte distante


no búzios

o eco

sonoro

sussuro

ouvido

na voz do vento


segunda parte


sépia?

cor do calor

cor da pele

da tua pele

do ar

rarefeito

efeito estufa

é feito

feitiço

que arrepia

que da medo

que aperta

o peito


uma saudade

vontade de mergulhar

todo

por inteiro

a pena no tinteiro

e caligrafar

serpentes ondulantes


dança do ventre

terça-feira, 3 de junho de 2008

alcova



alcova



ela

deitada

se mostra

pedaço

do corpo

exibe

o desejo

latente

(espremido)

o ventre

que chama

que arde

tão quente

(medo)

noite de lua

quarto crescente

nesta noite silenciosa


Ao olhar para fora da janela, percebe-se que não há Lua no céu, nesta noite silenciosa. Todos os ossos sentem o pesado frio da noite. Uma molhada chuva lavou a atmosfera e levou todos os ruidos deixando um silencioso vazio impenetrável no ar. Nem estrelas nem raio de luar. Uma luz pequenina no poste d eiluminação ainda reluta estar acesa naquela esquina próxima. O asfalto frio está ainda molhado, chuveu forte, muito forte, molhou tudo e até por dentro da alma, estas que agora estão úmidas. Ainda paseiam pelo ar algumas lembranças distantes. Imagens gotas de chuva a pingar escorridas pelas telhas do telhado da varanda.

Onde estará ela? Ele se pergunta. Estando de olhos fechados, sente suavemente, percebe o doce e discreto perfume, o cheiro dos cabelos a suavidade da pele feminina. Uma gentil e magica menina. Ele tem medo. Um medo que faz querer correr para longe. Mas corre para onde? Um medo de tremer tudo, dos ossos ao pensamento. Seu corpo reage e vibra quando fecha os olhos novamente e mergulha no infinito universo dos sonhos. Ele transpira e o seu peito esquenta com o calor da idéia fugidia da imagem daquela menina. Eva no eden. Um paraiso distante, longinquo, perene, tão distante quanto pode estar perto ao alcance da sua mão. Ele estende a mão... Vazio... [medo]... Seus olhos se molham com lágrimas que não querem derramar, isto doi, doi muito. É muito, e muito longe. Mas ele aperta o próprio peito com seus próprios braços fortes, ele a sente neste abraço imaginário. Há ímã. Há rima. É só poesia que escapa por entre os laços do pensamento. Ele se perde neste "comboio de cordas, que se chama coração". Deve haver uma razão para se querer tanto este querer profano, pensa ele, com o olhar perdido no horizonte. De repente a sua língua saliva. Novamente a sua pele sente por debaixo um correr de calor e energia. Ela está por perto, decerto, há de ser assim. Mas onde estará ela? Esta pequenina menina que ilumina a íris de seus olhos que choram sem lágrimas. Um choro sem som nem soluços. Um chorar quase louco e desértico. Há silêncio e vazio neste chorar antigo, abafado e mudo. Mas não há, definitivamente, lágrimas. Não, não há! Mas o seu peito se aquieta. Se acalma tudo por dentro. Ele novamente fecha os olhos. Se abraça, vira para o lado, ageita o travesseiro, (suspira), sorri, tem medo, mas volta a sonhar com ela que agora também deve estar dormindo. Talvez também ela tenha medo. Talvez ela também esteja sorrindo. Talvez ela esteja sentindo... talvez...

Há gatos sobre os muros, telhados, arranhando telhas e cascas das árvores nesta noite fria.