
A noite esquenta quando o frio fora do quarto corta o pensamento daquele solitário que caminha na calçada vazia. Ouvem-se ecos dos seus passos. O calor aquece a face e disfarça o tremor que vibrou por segundos no corpo. São pensamentos distantes e profanos que vieram trazidos pela voz do vento. Ele, o vento, sussurra palavras muito proibidas e sigilosamente secretas. São aquelas palavras que umedecem de saliva a língua que tenta se conter na boca, no céu da boca, onde estrelas saltitam como crianças travessas. As palavras estão na ponta da língua e querem sair em pensamentos que não se devem expor. Coisas escritas em papel de pão e que são jogadas nas gavetas esquecidas da memória. Não olha, não vê, não para de pensar. Parado, quase um desmaio de medo de pensar em qualquer coisa. Quase mergulha em divagações de sonhos de além muros. Quase morre. E quem tem medo de morrer quando a vontade é de correr muito? O pensamento começa a correr desenfreado por estradas, colinas, morros, horizonte em belo por do sol. Quase madrugada. Esta é a hora de se estar com medo. Esta é a hora de se estar bem consigo mesmo. Esta é a hora em que tudo acontece em segredo. Esta é a hora! Na cama rolando sob lençóis finos o corpo delgado serpenteia. Rola e se mostra por partes em sonhos que dançam com fumaça na suave brisa. A Lua se mostra nua, despida de preconceitos neste leito de baco. Ouve-se na voz do vento uma canção distante de antigos amantes. Novamente o calor profano quer remexer a quietude do corpo em sonolento repouso. As curvas são delicadas entre os pelos, apelos e desejos escondidos nos recantos clandestinos da carne crua. Há sombras e penumbra. Dança a luz da vela e revela, acaricia o olhar perdido mergulhado em fantasias de outras terras. Um som gemido brilha no luar. Um solo de trompete invoca o ritual dos anjos. Jazz... Fecha-se os olhos. Tudo é muito nesta hora de calor. Tudo é muito e é agora! Muito quente, muito úmido, muita água na saliva, na boca da noite profana. Uma nuvem cobre a lua que se esconde nesta madrugada. Medo... ?