
Ao olhar para fora da janela, percebe-se que não há Lua no céu, nesta noite silenciosa. Todos os ossos sentem o pesado frio da noite. Uma molhada chuva lavou a atmosfera e levou todos os ruidos deixando um silencioso vazio impenetrável no ar. Nem estrelas nem raio de luar. Uma luz pequenina no poste d eiluminação ainda reluta estar acesa naquela esquina próxima. O asfalto frio está ainda molhado, chuveu forte, muito forte, molhou tudo e até por dentro da alma, estas que agora estão úmidas. Ainda paseiam pelo ar algumas lembranças distantes. Imagens gotas de chuva a pingar escorridas pelas telhas do telhado da varanda.
Onde estará ela? Ele se pergunta. Estando de olhos fechados, sente suavemente, percebe o doce e discreto perfume, o cheiro dos cabelos a suavidade da pele feminina. Uma gentil e magica menina. Ele tem medo. Um medo que faz querer correr para longe. Mas corre para onde? Um medo de tremer tudo, dos ossos ao pensamento. Seu corpo reage e vibra quando fecha os olhos novamente e mergulha no infinito universo dos sonhos. Ele transpira e o seu peito esquenta com o calor da idéia fugidia da imagem daquela menina. Eva no eden. Um paraiso distante, longinquo, perene, tão distante quanto pode estar perto ao alcance da sua mão. Ele estende a mão... Vazio... [medo]... Seus olhos se molham com lágrimas que não querem derramar, isto doi, doi muito. É muito, e muito longe. Mas ele aperta o próprio peito com seus próprios braços fortes, ele a sente neste abraço imaginário. Há ímã. Há rima. É só poesia que escapa por entre os laços do pensamento. Ele se perde neste "comboio de cordas, que se chama coração". Deve haver uma razão para se querer tanto este querer profano, pensa ele, com o olhar perdido no horizonte. De repente a sua língua saliva. Novamente a sua pele sente por debaixo um correr de calor e energia. Ela está por perto, decerto, há de ser assim. Mas onde estará ela? Esta pequenina menina que ilumina a íris de seus olhos que choram sem lágrimas. Um choro sem som nem soluços. Um chorar quase louco e desértico. Há silêncio e vazio neste chorar antigo, abafado e mudo. Mas não há, definitivamente, lágrimas. Não, não há! Mas o seu peito se aquieta. Se acalma tudo por dentro. Ele novamente fecha os olhos. Se abraça, vira para o lado, ageita o travesseiro, (suspira), sorri, tem medo, mas volta a sonhar com ela que agora também deve estar dormindo. Talvez também ela tenha medo. Talvez ela também esteja sorrindo. Talvez ela esteja sentindo... talvez...
Há gatos sobre os muros, telhados, arranhando telhas e cascas das árvores nesta noite fria.